Diferenciação entre Cânhamo e Cannabis Medicinal: Concentrações de THC e CBD

Cânhamo ou Cannabis? Fizemos esse material pra te auxiliar a diferenciar entre Cânhamo e Cannabis Medicinal, te mostrando dados importantes, como as concentrações de THC e CBD, e mais...

Jair Calixto - Diretor farmacêutico do ICTCB

8/27/20257 min read

green cannabis plants during daytime
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Quando começamos a estudar a Cannabis e, ao nos aprofundarmos no assunto, percebemos que ainda existem lacunas a serem respondidas e aspectos que não foram, ainda, esclarecidos. Uma delas diz respeito às espécies. Creio que se deva a determinadas dificuldades inerentes a uma classificação correta das espécies existentes. Entendo que uma explicação plausível é que muitos cruzamentos forçados foram feitos e diversos outros cruzamentos naturais ocorreram ao longo dos séculos com esta planta.

A cannabis é atualmente subdividida em duas espécies, C. sativa e C. indica. A Cannabis indica é dividida em três subespécies: C. indica subsp. chinensis, C. indica subsp. indica e C. indica subsp. afghanica. Cannabis sativa e C. indica subsp. chinensis são cultivares de cânhamo mais comumente cultivadas para fibras e sementes. Cultivares de C. indica subsp. indica e C. indica subsp. afghanica são mais comumente cultivadas por seu conteúdo de substâncias ativas, e a maioria das cultivares modernas de cannabis são híbridos de C. indica subsp. indica e C. indica subsp. afghanica “landraces”.*Landraces são genéticas que se desenvolveram e se adaptaram em um ambiente específico. Não possuem o toque humano nos cruzamentos, são como sementes caboclas – crescendo sob o crivo severo da seleção natural.
A Cannabis ruderalis é uma terceira espécie, possivelmente aceita. Contudo, alguns autores a consideram sem importância comercial.

O cânhamo industrial (Cannabis Sativa L.) possui baixos índices de THC que não o enquadra como uma droga psicoativa [TUN LIN, CHAN-HALBRENDT E SULLIVAN, 2005], o que o torna um tanto complexo em termos legislativos. No Brasil não existe uma legislação específica ou relacionada ao cânhamo industrial. Contudo, existem alguns mecanismos institucionais, como:

• o Decreto no 75.074, de 10 de dezembro de 1974, que regulamenta a Lei no 5.956, de 3 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o emprego de fibras em produtos têxteis;

• a Portaria n° 296 de 12 de junho de 2019 do INMETRO Art. 1o Fica aprovado o Regulamento Técnico Mercosul sobre Etiquetagem de Produtos Têxteis, (Anexo I desta Portaria, disponível em http://www.inmetro.gov.br/legislacao.

• a Instrução Normativa no 110, de 24 de novembro de 2020 e as respectivas listas de matérias primas autorizadas para alimentação animal, conforme o site do MAPA (https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos- pecuarios/alimentacao-animal/registro-cadastro) e

• a Portaria no 344, de 12 de maio de 1998, que Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. (a planta Cannabis precisa ser removida da lista de proscritos).

Estas normas, desde que o cânhamo seja liberado por meio de legislação adequada, podem auxiliar na especificação de características têxteis genéricas das fibras e em sua inclusão nas listas do MAPA como alimentação animal. Obviamente, outras normas necessitarão ser criadas para a regulamentação correta para uso do cânhamo no Brasil.

É possível diferenciar as plantas de cânhamo em relação às outras plantas. O cânhamo, ideal para obtenção de fibras, possui estatura maior e fibras de alta densidade, conforme a seguir.

Superior esquerdo: plantas narcóticas são geralmente baixas, altamente ramificadas e cultivadas bem espaçadas.

Superior direito: plantas cultivadas para sementes oleaginosas eram tradicionalmente bem espaçadas, permitindo que as plantas se desenvolvessem até uma altura média com ramificação forte.

Inferior esquerdo: cultivares de fibra são cultivadas em alta densidade e não são ramificadas e muito altas.

Inferior central: plantas de "dupla finalidade" são cultivadas em densidade moderada, tendem a ser ligeiramente ramificadas e de altura média a alta.

Inferior direito: algumas cultivares recentes de sementes oleaginosas são cultivadas em densidade moderada e são baixas e relativamente não ramificadas.

O grau de ramificação e altura é determinado tanto pela densidade das plantas quanto por seu histórico genético.

Tabela 1. Limites Comparativos Internacionais de THC no cânhamo.

*A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado dia 13/11/2024, considerou juridicamente possível a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo e comercialização do cânhamo industrial –com teor de THC inferior a 0,3% – por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e farmacêuticos. Em relação ao cânhamo industrial, apontou a relatora ministra Regina Helena Costa, a concentração de THC é, em geral, menor que 0,3%, de forma que a essa variação da cannabis é incapaz de causar efeitos psicotrópicos, ao mesmo tempo em que possui alto teor de CBD.

Como se trata de produto natural e a natureza é variável, o correto seria estabelecer uma faixa de segurança no teor de THC para garantir ao agricultor ou industrial que a produção anual não seja inutilizada caso a análise revele teor de 0,32% de THC, por exemplo. Assim sendo, propomos um faixa de 15% acima, como máximo, ficando estabelecido o teor de THC < 0,30% + 15%.

Observações Importantes:

  • Os limites de THC podem variar ligeiramente entre diferentes regiões e jurisdições dentro dos mesmos países.

  • Os limites podem variar de planta para planta, conforme a espécie e o clima e a forma de plantio.

Como os produtos do cânhamo possuem interesse em diferentes áreas industriais, é importante conhecer o que outros países estão considerando como máximo teor de THC nesses produtos. Ver tabela 2.

Figura 1. Tipos de arquitetura de Cannabis sativa cultivada. Fonte: comparative analysis of cotton and hemp production in Australia. Stuart Gordon and Rose Brodrick–CSIRO Agriculture and Food.

Conforme definido em algumas normas internacionais, o cânhamo deve ter teor máximo de delta-9- tetrahidrocanabinol (delta-9 THC) inferior a 0,3% - principal componente psicoativo da maconha. Contudo, alguns pesquisadores consideram, no geral, o teor de THC de 1% como o limite para que a cannabis tenha efeito psicoativo. [E. SMALL & D. MARCUS]

Alguns estudos sugerem que a cannabis com teor de THC superior a 1% pode ser considerada como variedade/ substância entorpecente (ou seja, maconha), incluindo, entre eles, estudos que sugerem que as plantas de maconha costumam ter teor de THC superior a 5% ou mais. [M. SHIPMAN]

A determinação e fixação de um percentual adequado e realista de THC em norma, auxiliará o país no plantio, na produção e na comercialização de produtos do cânhamo, sem o risco de os órgãos estatais aplicarem sanções às empresas que, por questões naturais da agricultura, estejam infringindo a norma devido ao teor de THC acima do permitido.

Portanto, nesse sentido, é crucial diferenciar o cânhamo industrial da maconha, em relação às concentrações de THC e CBD:

• Cânhamo Industrial:
- THC: Nível máximo geralmente inferior a 0,3% em peso seco.
- CBD: Teores variáveis, podendo chegar a 20% ou mais em algumas variedades.

• Maconha:
- THC: Teores geralmente entre 5% e 20%, podendo chegar a 30% ou mais em algumas variedades de alta potência.
- CBD: Teores variáveis, mas geralmente menores do que no cânhamo industrial.

Tabela 2 – Conteúdos máximos permitidos de THC em diferentes produtos alimentícios de cânhamo na Austrália/Nova Zelândia, UE e USA. Ref.: [RACHEL A. BURTON]

a As Normas Alimentares da Austrália e da Nova Zelândia especificam limites para as sementes de Cannabis sativa como alimento e ingredientes em alimentos. A FSANZ afirma que o cânhamo industrial para alimentos é limitado a 1% de THC nas folhas e cabeças floridas, embora alguns estados tenham estabelecido limites mais baixos de 0,35%. A Austrália também especifica que os produtos de sementes de cânhamo não devem conter mais de 75 mg/kg de CBD.

b A Comissão Europeia alterou o Regulamento (CE) no 1881/2006 para estabelecer limites máximos para alimentos de cânhamo na Europa, embora cada estado seja livre para definir seus próprios limites iguais ou inferiores a esses limites.

c A FDA não estabeleceu limites formais para o THC em alimentos à base de cânhamo. Embora a classificação "Geralmente Reconhecida como Segura" da FDA especifique os limites de contaminantes, incluindo o THC, que são apresentados.

Conclusão

Fizemos aqui um breve resumo de informações técnicas sobre o cânhamo, focando no teor de THC e tentando distinguir a maconha do cânhamo.

Deixando de lado o caráter meramente técnico deste artigo, temos que frisar e deixar claro outro aspecto, o comercial: a importância de que o Brasil pode se beneficiar grandemente dessa nova indústria que surge. É fato que o cânhamo e seus diversos produtos proporcionará riquezas para as pessoas e para os governos, cujos impostos poderão contribuir para melhorar o nível de vida da sociedade. Há, ainda, que se falar em exportações e PIB, dada a grandeza e a pujança do agronegócio brasileiro. Portanto, o agronegócio do cânhamo e o desenvolvimento de várias novas indústrias/negócios, oriundas dele a partir das fibras e sementes, propiciarão aumento de empregos, impostos e riquezas.

Fontes e Referências

  1. 1- E. Small and D. Marcus, “Hemp: A New Crop with New Uses for North America,” em Trends in New Crops and New Uses, ed. J. Janick e A. Whipkey (Alexandria, VA: American Society for Horticultural Science Press, 2002).

  2. 2- M. Shipman, “Is Hemp the Same Thing as Marijuana?”, North Carolina State University, 15 de fevereiro de 2019, https://phys.org/news/2019-02-hemp-marijuana.html; e D. Donnon, A. T. Kearney, “The New Green Rush,” apresentado durante um Webinar do Food Institute, 31 de janeiro de 2019.

  3. 3- Rachel A. Burton, Mike Andres, Martin Cole, James M. Cowley and Mary Ann Augustin. Industrial hemp seed: from the field to value‐added food ingredients. Journal of Cannabis Research, 29 July 2022.

  4. 4- Pauline Sullivan; Catherine Chan-Halbrendt; Tun Lin M.A. Journal of Textile and Apparel, Technology and Management. Sustainable Development: Building a Case for Hemp. Volume 4, Issue 3, March 2005.